Carta aberta ao primeiro-ministro António Costa

Artigo de Carlos Silva, Secretário-Geral da UGT e membro do Comité Executivo da CES/ETUC (Confederação Europeia de Sindicatos/European Trade Union Confederation), e de Luca Visentini, Secretário-Geral da CES/ETUC.

Exmo. Senhor Primeiro-Ministro Dr. António Costa

A União Europeia está a atravessar a mais profunda recessão da sua história, e a decisão que os líderes Europeus irão tomar no Conselho Europeu virtual, da próxima sexta-feira, terá consequências muito concretas na vida de milhões de pessoas e no próprio futuro da Europa que estão profundamente interligados.

Os líderes Europeus têm, na sexta-feira, uma opção histórica a tomar quando se conectarem para discutir como evitar que uma crise da saúde se transforme numa crise económica e social: terão eles aprendido as lições de 2008 se assim for, optam por uma retoma baseada na solidariedade e na sustentabilidade, ou optam, de novo, pela austeridade e por objetivos de curto prazo arriscando-se a uma divisão a longo prazo?

A confiança do público na União Europeia caiu em todos os Estados Membros na sequência da crise financeira, com um declínio dramático nos países mais fortemente atingidos pelo regime de austeridade que custou empregos, cortes de salário e que prejudicou a saúde e os serviços públicos. Nós ainda não recuperámos totalmente dessa crise e já os efeitos deste novo choque começam a aparecer.

Nos primeiros três meses deste ano, o PIB da União Europeia teve o maior declínio dos últimos 30 anos, ao mesmo tempo que o número de pessoas a trabalhar baixou pela primeira vez desde 2013. Quase 60 milhões de trabalhadores foram colocados em lay-off ou em desemprego temporário e milhões de empresas, designadamente as PME, estão em risco de falência. Quantos destes empregos e empresas estão perdidos de forma permanente depende da resposta política para a crise.

É por isto que os líderes devem apoiar a proposta da Comissão Europeia para um fundo de recuperação de 750 mil milhões de euros, dois terços dos quais terão a forma de subvenção, em lugar de empréstimo de forma a não originar dívida publica adicional e insustentável, e um novo orçamento europeu suficientemente grande para fazer face ao

Se assim for, e se seguir com ações nacionais inteligentes suportadas pelos fundos Europeus, milhões de empregos podem ser salvos e novos empregos de qualidade podem ser criados, o investimento publico deverá aumentar em um terço – um passo significativo na direção certa. Tudo isto deverá ser acompanhado por um apoio massivo à procura interna e à produtividade, o que pode ser conseguido através de aumento de salários negociados por sindicatos e empregadores em sede de negociação coletiva.

Tal como em 2008, há fios atados ao dinheiro. Mas desta vez as condições propostas não podem estar ligadas à consolidação fiscal, devem estar ligadas ao investimento na transição para uma economia verde e digital, em lugar das privatizações ou da destruição da negociação coletiva. Estas condições são o ponto de partida, o investimento é igualmente necessário para lidar com o desemprego jovem e apoiar os serviços públicos, a saúde, a educação e a formação.

Nenhum dinheiro europeu deverá ir para empresas que recusem negociar salário e condições de trabalho com os sindicatos ou que impeçam o financiamento dos serviços públicos através da elisão e evasão fiscal. Da mesma forma, empresas que recebam dinheiro público devem providenciar empregos dignos, e trabalhar para atingir as metas climáticas de forma socialmente justa. Dito isto, empregadores e sindicatos deveriam ser envolvidos na conceção e implementação dos programas nacionais de retoma.

O plano e recuperação tem potencial para finalmente restaurar a confiança na Europa, que se perdeu durante a última crise, e fazer a diferença na vida dos trabalhadores quando eles mais precisam. Os trabalhadores não agradecerão aos seus líderes por persistirem em intermináveis discussões dum plano que pode salvar os seus empregos.

O plano tem o apoio da maioria dos estados membros e de líderes poderosos como Emmanuel Macron e a Chanceler alemã Ângela Merkel.

Apelamos aos que se opõem ao plano para assumir as suas responsabilidades e a não impor condições que obriguem os países afetados pelo coronavírus a sofrer com mais austeridade.

Nenhum país causou a pandemia, e ninguém deve ser obrigado a pagar as consequências. Tal como o vírus, a recessão não respeita fronteiras. No mercado único Europeu, a crise numa parte da Europa enfraquecerá a economia de todo o continente.

E inevitavelmente outra crise económica e social prolongada transformar-se-á numa crise da União Europeia, pondo em risco a coesão Europeia, a democracia e o futuro do projeto europeu. O plano de recuperação é a única forma de assegurar que a Europa emerge destes tempos difíceis mais justa, verde e unida.

Os líderes devem fazer o que está certo e construir uma União Europeia que protege os seus cidadãos, trabalhadores e empresas.”

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